sexta-feira, 4 de março de 2016

Saudades de um burro

Tenho saudades de um burro  que passava bem cedo na minha rua, arrastando ronceiramente uma carroça, velha como ele, o burro.
Se o dono tivesse acompanhado o progresso, por certo a carroça teria rodas com amortecedores e pneumáticos; como não tinha, acordava-me com um barulho sem melodia, começava algures, vinha de longe, e ia chegando perto, mais perto, sempre mais perto.
Saint-Exupéry, no "Principezinho", imagina a felicidade da raposa, ansiosa pela chegada das horas:
-"... Por exemplo, se vieres às quatro horas, às três, já eu começo a estar feliz. E quanto mais perto for da hora, mais feliz me sinto...".
A melhor das minhas vontades seria sempre pouca para alcançar a felicidade da raposa. Ou talvez sim, depois do burro, arrastando ronceiramente uma carroça, velha como ele, estrada fora, se perder no silêncio: um pouco mais longe, mais longe, sempre mais longe…
Na minha rua, o vento, quando vem, sopra de modo diferente nas "portadas" das janelas, e a chuva, quando chega suave, parece acariciar os cocurutos das árvores. O sol, se acordar sorridente pela manhã, em silêncio beija-me o rosto.
O burro morreu, o silêncio não…

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