terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Como se fossem dois adolescentes



A meio da tarde, no bar, havia mesas livres.
O casal entrou, escolheu uma delas, olharam os dois em redor e, já instalados, pediram que lhe servisse duas bebidas.
Os olhares do casal perdiam-se pelas paredes, onde estavam expostas pinturas do Wild de Wildt, Rui Monteiro e Alberto Péssimo; a música ambiente aconchegava o sossego do momento e o tom das vozes era suave.
Tocou um telemóvel, a senhora atendeu, levantou apenas um pouco a voz e falou em francês, expedita, de forma alegre. Repetiu por três vezes merci, e continuou, veloz, na articulação das palavras …
O cavalheiro, entretanto, inquire sobre o espaço: é público, não? Respondo afirmativamente. Sabe, acrescenta, como tem um estilo completamente diferente do habitual, a minha esposa deduziu que fosse um “clube privado”. Em traços largos, explico que o comércio de bebidas era um pretexto para algumas atividades culturais - a exposição que tinham à sua frente era um exemplo disso mesmo.
Terminada a conversa, foi a vez da senhora parabenizar os autores das obras expostas e quem tivera o arrojo de colocar de pé o espaço como se apresenta.
Agradeci a generosidade da gentileza das palavras.
Pergunto se estão de férias por estas paragens. Responde a senhora: de férias já estamos há imenso tempo, somos reformados, e viemos de Leiria passar uns dias a esta região, que desconhecíamos em absoluto, pernoitamos na Pousada do Convento do Desagravo e durante o dia damos uns passeios por aí. É muito lindo, tudo aqui à volta, a serra, tudo!
O encantamento do olhar transmitia alegria, satisfação, prazer, felicidade na forma mais pura – que sei eu desses sublimes sentimentos?
Sempre de sorriso nos lábios, desenhados num rosto de enorme beleza, disse ao que vieram em concreto, desvendou o segredo, enquanto o marido, talvez um pouco envergonhado, olhava terno e meigo a “jovem” e bonita esposa: faço hoje oitenta anos, e o meu marido presenteou-me com este magnífico passeio.
Oitenta?
Não, não imaginava aquela figura esbelta, meã na altura e aspeto prazenteiro com uma mão cheia de “viçosas primaveras”, muito próxima do centenário que, acrescentei, por certo irá comemorar…
Pedi licença, fui à florista Clara, logo na esquina, comprei uma rosa (que não paguei, porque a Clara conhece de longe o meu “vício” por flores e partilha a mesma sensibilidade,  volta não volta tem destas delicadezas…), regressei e com o meu melhor sorriso ofereci-a à bonita senhora – apenas uma lembrança com que procurei honrar o seu aniversário e o amor do casal.
… Fiquei com a sensação de que a rosa vermelha “ganhou vida própria e um rosto”: “um dos olhinhos sorriu, atirou-me uma piscadela” e eu fiquei a ver o casal, de mão dada, rua acima, como se fossem dois adolescentes apaixonados.
As bebidas ficaram por conta da casa.














RiTuAL Bar
 Oliveira do Hospital junho/2007


2 comentários:

  1. Que delícia de relato, amigo!
    Que toda a envoltura desta circunstância narrada (que bem pode ser uma bela metáfora do sentido de viver) se repita em muitos outros momentos da sua vida.
    Um 2016 à medida dos seus desejos.
    Bjo :)

    ResponderEliminar