quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Nem padre, nem doutor - "estória de "trazer por casa"

Texto adpatado 
- Croniqueta publicada em 2008 no "Correio da Beira Serra"




Passaram anos sobre o dia em que fui desterrado para um primeiro andar de uma casa sita na rua Dr. João Jacinto, em Coimbra, com a finalidade de chegar a doutor se para tal houvesse sabedoria.
A nobreza da intenção possivelmente foi abençoada pelo arcipreste Januário, pastor das almas da freguesia; porém, nem ele nem a minha família tiveram o cuidado de conhecer os meus anseios, coisa pouca, devo acrescentar: queria ser padre,  como o sacerdote José Vicente, de Coja,  para entoar a imperceptível ladainha da missa ao domingo, discursar como ele,  e usar uma “saia” negra...
Cá por casa tiraram-me daí o sentido com o argumento de que os padres não podiam casar e então, para não ter de "inventar sobrinhas ou primas", o melhor era ser doutor de qualquer coisa e depois se veria com quem partilhar o aconchego da família oficial que havia de ter…
Coimbra e o Liceu D. João III seriam, pois, o destino da criança que eu era. E lá fui, com medos e vergonhas a fazerem mossa na imatura e periclitante personalidade. Fui, mas regressei no fim do ano letivo, vergado a um chumbo de dois “noves”, escrito a vermelho na pauta.
No ano seguinte, havia duas opções: o colégio de Oliveira do Hospital, afamado, ou o Externato Alves Mendes, em Arganil, que não lhe ficava atrás nos resultados académicos. Escolheram por mim: Arganiil – sempre havia carreira de manhã e à tarde, e ficava sob a alçada da família, que  insistia  no “doutor de qualquer coisa". Padre...  nem pensar!
As voltas que dei na vida afastaram-me, definitivamente, de todas as vontades e desejos.
Mais tarde, os ares de Abril trouxeram-me de regresso “à terra”, deixando para trás, contrariado, um pedaço de África, como se tivesse renunciado à força a todos os sonhos...
Voltei a Oliveira do Hospital a tempo de conhecer gente que, se a roda da fortuna tivesse girado noutro sentido, bem poderiam ter sido meus condiscípulos no Colégio Brás Garcia de Mascarenhas. Agora ouço relatos de peripécias inarráveis em letra de forma, conheço estórias de sucesso, e sei da saudade com que alguns desses amigos recordam os tempos do “Brás”.
O Externato Alves Mendes  era, na verdade, a opção certa para satisfazer os sonhos da fanília, mas...
Tarde no tempo, “nem padre nem doutor” de qualquer coisa – continuo aprendiz pela “leitura do conhecimento” de outros mestres.
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Do tempo do colêgio é o retrato  desta  "estória de trazer por casa".



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