terça-feira, 13 de março de 2018

O anúncio


Quem aprecia  sossego e algum isolamento social, sem ser eremita, procura sítios e lugares  talhados à (sua) medida.
Em função dos pontos cardeais, valoriza-se a localização da casa de férias, ou residência permanente, de preferência a preços de pechincha na hora do negócio.
Nasci com a sorte do destino (?) por ter visto pela primeira vez a luz do dia num quarto grande  e soalheiro da casa de família, feita de xisto. Mais tarde, o exterior da  casa foi coberto com argamassa e o sol não alterou a visita diária. Sou, pois, um privilegiado: depois de “correr mundo” regressei às origens e a este sol…
A minha aldeia é graciosa e simpática para quem chega. E tem um rio aos pés - a grande atração dos veraneantes, como foi, em tempos idos, dos senhores das suas margens, agricultores latifundiários; ao povo ficavam reservados fracos quinhões, leiras minúsculas de onde se retiravam os ”mimos” consoante a época; semeando, ou plantando, a terra tudo dava, ensinava o Borda-d’água…
Agora, hoje, “nada é como dantes”, acrescentam os que mais somam primaveras da vida dura aos relatos desses tempos. Sei do que falam, o “ti” Alberto e a Rosária, a esposa, o “Zé” padeiro e a  esposa Maria, meus vizinhos a duzentos metros para cada lado da minha casa. Quando eu era criança, tinham eles a idade dos namoricos. Hoje, a “vida é melhor”, sim senhor, mas as leiras estão de pousio, há pouca gente e desses poucos, poucos são os que semeiam ou plantam…
Havendo o rio, na minha aldeia, durante o verão e de passagem, há (quase) sempre gente oriunda  de outras paragens.
- Era uma casinha assim, com muito sol, que eu gostava de ter numa aldeia sossegada, com pão todos os dias ao domicilio, peixe e carne  uma vez por semana  à porta, como está naqui no anúncio… - suspira a senhora da autocaravana no repouso com vista para o rio.
Faltou acrescentar, no anúncio, que por cá também se vende  fruta variada (e outros produtos...) de forma itinerante.
Esta espécie de  “mini mercado” sobre rodas  faz-se anunciar   com toques de buzina, mais ou menos  estridentes. Se os eventuais  clientes não estiverem atentos, perdem vez... e lá se  vão  as compras.
"Perder  a vez" também acontecia, em tempos idos,  quando não se chegava a horas e nos dias certos ao largo da escola - era aí  que a carrinha da Biblioteca Itinerante da Gulbenkian  disponibilizava  “produtos prontos  a servir”, confecionados  por mestres como Camilo Castelo Branco, Aquilino Ribeiro, Júlio Verne…

Sem comentários:

Enviar um comentário