Acordei assim, perdido nos dias, talvez pelo enorme sol que entra pela janela e, por ser grande, o sol, este sol projeta-se na minha cama. Há outros sóis, pequenos, minúsculos, frios e distantes.
Levantei-me, corri o que faltava correr do cortinado e o dia soube-me a verão, África ou coisa assim. Sabe-se que o “sol não é o mesmo aqui”, na serra, mesmo no verão, mas esta é a única época em que se assemelha ao sol que me levou para além do cabo das Tormentas. Quero dizer: o dia soube-me a verão, sim, mas sem os cheiros que, medulamente, Mia Couto descreve. O escritor moçambicano, nas palavras, finta como o Eusébio.
Certa vez, no campo pelado do Sporting de Lourenço Marques, numa partida de futebol, meio a brincar, na equipa adversária (Ferroviária de Araraquara, brasileira) alinhava um avançado careca, veloz e dono de finta nunca vista. Era assim: na cara do defesa contrário, o jeito de artista fazia com que a bola saltitasse de pé para pé até ao gesto com que a fazia passar por cima do adversário. Era tudo tão rápido e eficaz que o público não dava descanso aos aplausos. No jogo seguinte, em que o Eusébio jogou pelo Sporting, e eu a ver, o “pantera” assimilou a finta e deixou-a a falar português moçambicano.
- “Xiiiiiiiii, mulungo, tem xicuembo nos bota, jura mesmo!
Quando foi isso? Se agora não sei “a quantas ando”, acham que, meio século depois, ainda guardo na memória miudezas dessas?
- Ah, já sei: hoje é quinta feira, dia do ”5 Para a Meia Noite”, vi agora o reclame na televisão!
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Mulungo - homem branco
Xicuembo - Deus, espírito
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Mulungo - homem branco
Xicuembo - Deus, espírito
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