“(…)
- Como é que voltas a pôr o ovo lá
dentro - disse ela - para o fazeres sair
outra vez? No teu sonho, claro.
-
Não sei, volta a entrar… lá para dentro, e pronto. Suponho eu.
O riso de Lydia é agora um disfarce.
- E que diria o Doutor Freud de uma
coisa assim?
Suspirei de irritação.
-
Nem tudo é….
Suspiro
- Nem tudo
(…)
- Oh, claro - disse ela - às vezes um pintainho
é só um pintainho, a não ser que seja uma galinha (…)”.
Quando
a Ângela decidiu lembrar “a amizade, a
alegria, o riso, as conversas”, fez agora anos, e presentear o meu
aniversário com o “mais belo e
melancólico romance de John Banville”,
segundo a opinião do crítico do Sunday Telegraph, não lhe passava pela cabeça
que este “Eclipse”- título da capa -
dizia de mim o incómodo de alguns dos
(meus) segredos, agora assumidos, que o
tempo é de arrumar memórias.
Parágrafo
a parágrafo, página a página, tomei assento na estória até dela fazer parte,
como se fosse o autor dos “fantasmas” silenciosos que sempre me perseguiram,
como sucedeu a Alex Cleave. Este “Eclipse”,
na imaginação de John Banville, irlandês, nascido no ano em que eu nasci, tem
tanto de mim que dá arrepios – li páginas inteiras “sobre mim”, voltei a ler,
pausei a leitura, repeti parágrafos, páginas inteiras - era eu, sou eu “aquilo”,
espécie de retrato dos meus medos – de um pequeno medo que fosse: ai se a
memória me falha, como aconteceu a Alex Cleave, o ator, a quem aconteceu o
vazio da fala à boca do proscénio. Essa foi a causa que o levou de regresso à
casa onde nasceu para viver com os “fantasmas
que habitavam o mesmo espaço”…
Alex
Cleave teve (…) um pintainho amarelo, de
celuloide, especado nas suas patas muito
finas e que punha um ovo quando lhe premiamos o dorso (…). Lydia estava a olhar
para mim com um sorriso incómodo e desdenhoso, mas não inteiramente isento de
ternura.
- E como é que se põe lá dentro? - perguntou-me.
- Lá dentro?
Nas
minhas memórias de menino há um pintainho amarelo, que punha um ovo quando se
premia o dorso.
Coincidência,
caro Alex Cleave, aliás: "eu"!
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